Engenheiro Fernão Nonemacher Dias Paes Leme (ABCP)
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Estudo econômico pode definir uso de concreto em rodovias, mostra especialista da ABCP
A declaração foi feita pelo engenheiro Fernão Nonemacher Dias Paes Leme, especialista da ABCP, em entrevista à Paving Expo. Para o engenheiro, que é responsável pelo estudo sobre a sustentabilidade de estradas brasileiras com o uso de concreto em rodovias, um dos principais gargalos para o avanço do pavimento de concreto é a falta de exigência formal da elaboração de estudo econômico de alternativas de pavimento entre asfáltico e rígido. E, de preferência, nas fases iniciais decisórias de um empreendimento viário.
Acompanhe a seguir a entrevista, publicada também no site Infraroi.
Paving Expo – Qual é o cenário das pavimentações de concreto no Brasil e como o setor deve evoluir nos próximos períodos?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – A grande oportunidade que devemos ter no futuro para o pavimento de concreto, além das novas rodovias, será para rodovias existentes e que precisam ser readequadas com a utilização do whitetopping. Dos 47 mil km de rodovias planejadas em âmbito federal, já existem 36 mil em fase de Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), sendo que 22 mil km prontos, que no futuro podem virar projetos com grande espaço para o pavimento de concreto. Estima-se que no ano de 2045, 63,6% das rodovias federais terão um volume médio diário (VMD) superior a 8.000 veículos, contra os 33,5% que temos na atualidade, levando à necessidade de uma ampliação da malha viária ou da capacidade das vias.
Paving Expo – E há vantagens do pavimento rígido nesse sentido?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – Nos casos estudados pela ABCP há uma certa tendência de que o pavimento rígido passe a ser mais econômico acima de número “N” de solicitações de 1 x 107 (critério USACE). Esta afirmativa não tem comprovação científica, sendo uma mera percepção genérica de observação dos casos de projetos e obras que a ABCP vem acompanhando.
Outro cenário se refere aos aumentos sucessivos dos preços dos materiais asfálticos. Observa-se aumento dos materiais asfálticos em 157%, num período com inflação medida pelo IPCA de 90%, enquanto o preço do cimento teve aumento inferior à inflação, de 49%. Estes aumentos dos materiais asfálticos refletiram, obviamente, nos custos de execução de revestimentos de pavimentos asfálticos, a partir de 2015, fazendo com que o pavimento de concreto, produzido com cimento que teve preço estável, sofrendo até pequena redução em 2017, torna-se mais econômico que o pavimento asfáltico. Este é um dos principais fatores que contribuíram para a viabilidade econômica dos pavimentos de concreto a partir de 2015, com vários projetos e obras rodoviárias convertidas de projeto em pavimento asfáltico para concreto.
Paving Expo – Quais outras medidas podem ser explicitadas?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – A formalização de novas parcerias com órgãos públicos e centros de excelência, com objetivo estratégico de fortalecer o relacionamento institucional e os investimentos em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), são outras medidas que têm dado confiança ao mercado para adotar o pavimento de concreto nas licitações de obras públicas.
Podemos também especular outro fator referente ao possível impacto na estrutura dos pavimentos asfálticos com a introdução do novo método de dimensionamento nacional de pavimentos do DNIT (MeDiNa), que incorpora procedimentos mecanístico-empíricos resultantes de pesquisas científicas de tecnologia avançada, e incorpora ensaios de simulação de deformações plásticas que permitem prever de forma precisa o desempenho do pavimento, exigindo assim maior espessura de camada de revestimento asfáltico, o que pode favorecer o pavimento rígido no aspecto de menor custo.
Paving Expo – Quais gargalos a pavimentação em concreto deve superar para o avanço da tecnologia?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – Um dos principais gargalos ainda é institucionalizar a necessidade, via exigência formal, da elaboração de estudo econômico de alternativas de pavimento entre asfáltico e rígido. E de preferência nas fases iniciais decisórias de um empreendimento viário.
A decisão pela viabilidade de se ter uma solução econômica de pavimento depende primordialmente de uma providência estratégica: a elaboração de estudo econômico de alternativas de pavimento. Sem o estudo de alternativas o empreendimento será executado com a solução concebida dentro da preferência do projetista ou do gestor do mesmo.
Para de fato se ter redução de custos, com solução econômica, o estudo econômico de alternativa deve ser efetivado nas fases iniciais de concepção, anteprojeto, ou estudo de viabilidade técnica e econômica. Ou, pelo menos, na fase de projeto básico, quando ainda será possível correção de rumos em busca de solução econômica.
Paving Expo – Há ações legais para promover esses avanços?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – Um passo importante para alcançar a redução de custo de forma geral seria, no futuro, propor ao Congresso alteração da Lei 8666, incluindo exigência de realização de estudo econômico de alternativas antes da licitação das obras, na fase de projeto básico definido na Lei. Complementando, a nova Lei poderia recomendar ao Ministério dos Transportes regulamentar o termo de referência para a elaboração dos estudos econômicos de alternativas entre o pavimento asfáltico e rígido, contemplando todas as etapas, de: estudos básicos necessários de tráfego e geotécnico; dimensionamentos com base nas normas do DNIT; cálculo de quantidades e orçamento para cada alternativa.
Paving Expo – O que há de inovações no setor que podem otimizar os caminhos a serem percorridos no setor de pavimentação em concreto?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – Acredito que a principal “inovação” não se refere à questão de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), mas sim à questão dos protocolos que veem sendo adotados pelos órgãos públicos na questão da análise da viabilidade econômica para horizontes de projeto de 20, 30 e 40 anos.
O maior benefício, e mais imediato, é a redução do custo de construção do pavimento, o que ocorre em grande parte dos casos. Mas é preciso considerar a economia de recursos de manutenção do pavimento rígido, pois a solução de pavimento rígido tem durabilidade de 20 anos, no mínimo, enquanto o pavimento asfáltico tem durabilidade menor, de 10 anos, exigindo um reforço estrutural com camada asfáltica no décimo ano e manutenção rotineira mais intensiva que a do pavimento rígido.
Paving Expo – Há outros fatores?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – Sim. Um segundo fator, que compreende os procedimentos de engenharia que foram incorporados no Brasil possibilitando ter pavimento rígido econômico, compreende o incentivo a estudos de projetos de engenharia alternativos, o que ocorreu a partir de 2014, quando o DNIT passou a dotar o sistema de RDCI – Regime Diferenciado de Contratação Integrada, criado pelo Governo Federal para licitação de obras de infraestrutura para a Copa do Mundo de Futebol no Brasil. O procedimento de RDCI foi incluído na Lei de Licitações. Neste sistema de RDCI as empresas ou consórcios apresentam seus preços com base num termo de referência, que define as características técnicas mínimas da obra a ser contratada, e um Anteprojeto de engenharia, cabendo ao licitante vencedor do leilão elaborar todos os estudos técnicos e o projeto básico e engenharia, e posteriormente, executar a obra. Tem-se assim uma com contratação integrada de projeto e obra.
Com isto, houve incentivo a estudo de projetos alternativos por parte das licitantes, para reduzir o seu custo, com base em aumento de produtividade e definição de soluções alternativas econômicas, mantendo a qualidade e durabilidade da rodovia. E nestes estudos, alternativas de pavimento rígido, de maior durabilidade, passaram a ser considerados e, em muitos casos, viabilizados como solução econômica
Paving Expo – Quais vantagens – e em que situações elas se aplicam – podem ser destacadas na pavimentação em concreto?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – As vantagens e os benefícios diretos da adoção do pavimento de concreto de cimento portland na implantação (obra nova) ou reabilitação de rodovias e vias urbanas, com o emprego das técnicas de Whitetopping, em relação a outros tipos de pavimentos, têm por base parâmetros básicos, que se interligam e o transformam na mais indicada solução de engenharia para essas instalações, quais sejam: desempenho e durabilidade; economia; rapidez e facilidade de construção; segurança do usuário; custo de iluminação pública e consumo energético; sustentabilidade, meio ambiente e ecoeficiência; técnicas de projeto, execução e controle de obra; conforto de rolamento e a normalização.
A descrição desses parâmetros, a seguir, à luz da experiência e da boa prática da engenharia nacional e internacional, constituirá uma ferramenta poderosa para os tomadores de decisão, no sentido de indicar a mais recomendada solução de engenharia, em termos de alternativa de pavimentação, para rodovias e vias urbanas no nosso país.
Paving Expo – Em termos de equipamentos, há novas tecnologias aplicadas no Brasil que ampliam produtividade e qualidade das pavimentações em concreto?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – Um exemplo que podemos citar de novas tecnologias aplicadas no Brasil, para promover a melhoria dos índices iniciais de irregularidade dos pavimentos, é a utilização da tecnologia 3D para guiar pavimentadoras de concreto de formas deslizantes, conhecida internacionalmente como Stringless Pavement. O sistema consiste na execução de pavimentos de concreto sem a utilização das tradicionais linhas guias, responsáveis pelo direcionamento e altura da máquina, eliminando os efeitos da mudança de temperatura e umidade no tensionamento das linhas guias e a formação de catenárias, problemas que impactam diretamente os níveis de irregularidade do pavimento.
Paving Expo – Como está a atuação desses equipamentos no Brasil?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – No Brasil, até onde pude apurar, temos 3 pavimentadoras de concreto trabalhando guiadas pelo sistema 3D, com a primeira operação iniciada em fevereiro de 2017 em um trecho da BR-163 nas proximidades da cidade de Cascavel/PR. No ano seguinte, a máquina trabalhou na duplicação da BR-163/364/MT e, somados os trechos executados nas duas obras, estima-se que 160 km já foram pavimentados com o sistema.
Paving Expo – Qual é a representatividade dos pavimentos no mercado (produção e consumo) de Concreto no Brasil?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – A resposta que teríamos é: não temos essa informação. O que podemos fazer aqui é uma estimativa levando em consideração os seguintes pontos, mas são muitas variáveis que precisamos estimar que levam a uma grande incerteza na estimativa:
O primeiro ponto é que, de acordo com o DNIT, no ano de 2021 foram executados (concluídos) 413,41 Km de obras rodoviárias no âmbito federal, subdivididos em 81,74 Km de implantação e pavimentação, 168,70 Km de adequação e duplicação e 162,97 Km de restauração da pista existente. A adoção do pavimento de concreto de cimento portland está praticamente concentrada na implantação (72,14 km) e duplicação (95,59 km) de rodovias.
O segundo ponto, ainda de acordo com o DNIT, o Market Share de pavimentos de concreto na malha federal existente é de 2%, mas eu estimo que principalmente devido aos aumentos sucessivos dos preços dos materiais asfálticos ou betuminosos, esse percentual para os novos projetos seja algo em torno de 15% / 20% entre os projetos de implantação e duplicação.
Paving Expo – Há outros pontos?
Fernão Nonemacher Dias Paes Leme – Sim. Um terceiro ponto é, considerando uma placa de concreto simples com a espessura de 22 cm e a largura de 11 m, teríamos um consumo aproximado 2.420 m3 de concreto por km de rodovia. Estimando que 20% das implantações e duplicações em 2021 foram em concreto teríamos aproximadamente 35 km de implantações e duplicações, mas ainda teríamos restaurações concluídas em 2021 com Whitetopping, onde novamente, poderíamos estimar uns 15 km, totalizando 50 km em pavimentos de concreto concluídos em 2021, com um consumo de 120.000 m3.
E, finalmente, na questão da representatividade, complica mais ainda a estimativa, pois segundo a ABESC, a produção de Concreto dosado em central em 2021 foi 42.000.000 m3, mas em obras de pavimento de concreto normalmente em 90% dos casos a dosagem do concreto é realizada em central na própria obra, ficando difícil estimar a representatividade dos pavimentos de concreto no mercado de concreto no Brasil.